terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Albert Memmi eYacine Kateb: da assimilação à evolução

A literatura dos povos do Maghreb tem como uma das principais temáticas a assimilação cultural do povo colonizador, entretanto, essa assimilação não foi, nem é, uma assimilação de forma pacífica.
Vários escritores tentaram de alguma forma retratar em suas obras a busca de uma real identidade para o seu povo. Escritores como Albert Memmi, Mohamed Dib, Mouloud Feraoun e Mouloud Mammeri tiveram como pano de fundo para suas obras poéticas a aculturação do povo argelino com relação ao povo francês.
Para uma iniciação a essa literatura e a temática da aculturação dos povos do Maghreb é imprescindível que se leia dois livros em especial: “Portrait du colonisé, précédé du portrait du colonisateur.” De Albert Memmi e “Nedjma” de Yacine Kateb. No primeiro livro Memmi faz um retrato quase fiel dos últimos anos de colonização francesa na África do Norte. Sendo ele um colonizado, nascido na Tunísia e de descendência judia, pôde através de suas próprias experiências, analisar profundamente a relação colonial. O livro foi publicado em 1957 pela editora Buchet-Chastel antes mesmo de se concretizar a independência dos três países do Maghreb (a Argélia só conquistou sua independência em 1962) e foi acusado de servir como arma contra a colonização.
A busca de identidade, a valorização do que é seu, enfim, a tentativa de se afirmar como ser humano livre, estandartes levantados não só pelos governos que se sucederam à independência dos três países do Maghreb, mas também pelos seus escritores e intelectuais, só podem ser entendidos através da análise do que foi a colonização que manteve a região sob seu domínio durante mais de cem anos. Este povo, esmagado pelo colonizador que lhe impunha sua cultura e sua língua, sofreu todo um processo de perda de identidade.
O livro foi concebido em duas partes. O autor começa analisando o colonizador
que chega a um país estrangeiro “par les hasards de l’histoire” e descobre de repente ser ele um privilegiado ilegítimo que vem tomar o lugar do nativo e usurpar-lhe os direitos. A partir daí, ele tem duas alternativas: ou se recusa ou se aceita como colonizador. No primeiro caso, sua única solução será a de partir e abandonar esses privilégios, o que se dá raramente pois são muitas as vantagens de que terá que abrir mão. Então, ele decide se assumir como colonizador o que o fará renegar o colonizado e discriminá-lo através do racismo. E, por fim, terminará por adotar aquela atitude paternalista tão característica do dominador.
Na segunda parte do livro temos o retrato do colonizado e o estudo de sua
situação como tal: os problemas da cidadania, da criança, dos valores (tradições e religião), da escola, da língua, da literatura e, enfim, da amnésia cultural. Diante desta realidade, o colonizado passa por duas fases. Primeiramente, ele vai tentar assimilar a cultura do colonizador para ser outra pessoa e para tanto terá que renegar suas origens. Mas, a assimilação se revela impossível porque “pour s’assimiler, il ne suffit pas de donner congé à son groupe, il faut en pénétrer un autre: or, il rencontre le refus du colonisateur”. Ao compreender isso, o colonizado passa à revolta contra aquele ser que ele tanto admirava e surge a segunda fase, a do ódio ao colonizador e,consequentemente, a da busca da afirmação de si mesmo e de sua essência.
Acreditamos, pois, que este livro de Albert Memmi seja primordial para se começar a entender o Maghreb, porque a relação colonial ai analisada funcionará sempre ou como tema principal ou como pano de fundo nas principais obras maghrebinas daquela época.
Compreendido o processo colonizador/colonizado, seria interessante passar a
uma leitura que pudesse dar uma visão geral do que foi a literatura maghrebina de expressão francesa nesse período de 1945 a 1962 através do primeiro contato com seus principais escritores. Recomendamos a Anthologie des Ecrivains Maghrébins d’Expression Française , coletânea de textos organizada por Albert Memmi que se faz acompanhar de notas biográficas dos autores selecionados.
Outro livro de Memmi que se propõe a estudar a problemática da aculturação é
o romance La Statue du Sel de Albert, editado em 1953 por Buchet-Chastel.
Nesta obra o autor retrata sua própria infância e juventude marcadas pelas contradições de três culturas. Nada melhor para definir a temática deste livro do que o prefácio escrito por Albert Camus para a edição de 1966 pela Gallimard: “Voici un écrivain français de Tunisie qui n’est ni français ni tunisien. C’est à peine s’il est juif puisque,dans un sens, il ne voudrait pas l’être. Le curieux sujet du livre (...), c’est justement l’impossibilité d’être quoi que ce soit de précis pour un juif tunisien de culture française.”
O romance tem três partes. Na primeira, são as lembranças dos anos felizes e
sem preocupações de sua infância passada num gueto judeu em Tunis. Na segunda parte, época em que freqüenta o liceu, ele começa a se dar conta de que mesmo sendo o primeiro aluno da classe, sua origem o faz diferente dos outros, seu próprio nome marca esta diferença. E a partir dai, o personagem passa a viver uma fase de busca de identidade, isto é, tenta assimilar a cultura do colonizador, se afastando cada vez mais da sua. Finalmente vem a tomada de consciência da total impossibilidade de assimilação dessa cultura estrangeira, a decepção com o Ocidente e a tentativa de encontrar uma saída para sua vida a partir de uma afirmação de si mesmo.
Este romance foi o ponto de partida de Albert Memmi para a sua pesquisa sobre a sociologia do homem oprimido que levará a publicar em 1957 Le Portrait du colonisé, précédé du portrait du colonisateur e em 1962 Le Portrait d’un juif .Depois de já se ter acumulado algum conhecimento sobre Maghreb, é possível se fazer uma leitura de Yacine Kateb, um dos escritores maghrebinos de expressão francesa mais lidos tanto no Maghreb como no exterior. Além de romancista, Kateb escreveu várias peças de teatro. Sua obra aborda os temas da aculturação, da guerra, mas ele recria os fatos de forma mitológica e poética. Em Nedjma, romance escrito em 1956, há um vai e vem constante entre o realismo, os símbolos e os mitos através dos quais se faz a unidade da obra. A história da personagem Nedjma (que quer dizer “estrela” em árabe) está ligada à da Argélia e é procurando a essência de Nedjma que o autor chega à outra “estrela”, a sua pátria ocupada por estrangeiros. Os principais temas do romance são: as lembranças da infância, a loucura da mãe, a morte, as manifestações de Sétif, a prisão, a personagem de Nedjma e seus símbolos.
A obra de Kateb não é de leitura fácil e exige algum conhecimento sobre o povo magrebino e sua cultura, mas se impõe por ser um tipo de narração inovadora nesse período da literatura maghrebina.
A literatura do Maghreb assim como a grande maioria da literatura dos povos colonizados tenta retratar ou descrever a luta com o colonizador e a afirmação da identidade nacional. Então esses dois escritores relatados aqui além de mostrar as principais temáticas da Literatura magrebina nos fazem analisar um fato importante: A diferença de estilo entre os dois, Memmi com uma escrita quase autobiográfica e Kateb com uma prosa quase poética. E é importante também descobrir esses escritores e essa cultura, pois, eles não estão tão distantes de nós, sul-americanos, o contato com a literatura maghrebina nos possibilitaria estabelecer pontos contrastivos entre essa cultura e a nossa e, analisando as diferenças e as semelhanças, poderíamos chegar a um conhecimento mais profundo de nós mesmos como povo.

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