quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O velho? O novo?

Silêncio. Mais uma vez esse companheiro incômodo de todas as horas o ajuda a progredir (regredir?) de um pensamento para o outro, mas sem paradas para cafezinhos. Barulho? Apenas o eterno dialogar cotidiano entre cães e galos rompe sua atenção fixa no telhado. Vez por outra ele ouve o friccionar dos dedos em sua barba, e o ziguezaguear de Kurt (o gato) por entre suas pernas (inertes). Ele era assim, disperso, tonto. Não conseguia terminar uma frase sem ninguém lhe dizer o final. Esse é seu mundo, só pensamento, Errado? Esses pensamentos ainda lhe dariam frutos.
Diferentes dos outros moleques de sua idade que apostavam quantas bocas beijam numa noite, indiferente de que sexo for, e procuram na internet o novo sucesso dos “Aventureiros do calypso”. Ele tinha um projeto simples. Simples? Ser homem. Já imaginava seu apartamento quitado em trinta anos, seu carro semi-novo de dez anos atrás, sua esposa e filhos alegres vendo chegar o fim do mês, para no final das contas, os esporros, as dores de cabeça e as desavenças profissionais serem distribuídas em garças, onças, carpas e araras sem sobrar nem um beija-flor pra ele. Futuro? Enfim, o senhor classe-média.
Amigos? Tinha, porém ficaria perfeito singularizando o início do parágrafo. Amigo? Isso, apenas um. No entanto, pra ele era o melhor, o perfeito. Morava com ele, todas as noites sentado da mesma forma todas as horas, o Idiota na mão cruzado entre os braços, bermuda sem camisa, chinelos ou pantufas?
Era igual a ele. Argumentava com as sobrancelhas, não precisavam explicar nada um pro outro, que se entendiam (Se entediam? ) Reflexo? Projeto? Silêncio.
O lugar não tinha um cheiro só, variava. Pra cada canto que se apontava o nariz sentíamos fragrâncias distintas. De um lado peixe cru, do outro ervas medicinais, castanhas do Pará mescladas com cerveja quente, sem contar o suor misturado dos nativos culturais famintos e dos gringos ingênuos conhecedores de coisa nenhuma, cheiro de mercado de São José.
Ao fundo, seis ou oito olhos sobrepostos, admirados, vendo ouvindo ele contar sua paixão: a leitura.
- Foi assim que me vi feliz, lendo. Mas não pensem que a felicidade tá ali naquele carrão lá fora, naquela menininha que vocês namoram ou no dinheiro, e sim, está na sua verdadeira vontade de se apaixonar por alguma coisa, e fazer dessa “coisa” sua vida, contribuir em algo. Está aí a essência de ser feliz.
- É moço, mas com dinheiro a gente pode ser infeliz em Paris, Nova Iorque...
- Oxe tio, e tu não é rico não. Tu é só feliz lendo é?
- Não, não. Respondeu ele depois de uma longa gargalhada. Mas eu tenho um imenso prazer em descobrir as coisas e descubro nos livros. O livro na verdade não serve pra nada... Fechado. Ele fechado só serve de enfeite nas estantes. Vou contar um segredo pra vocês: muitos professores da faculdade nem lêem aqueles livros todos é só pra “rebolar”. Continuando... Esbraveja ele em tom doutoral. O livro só tem vida quando você o abre e dá vida àquela história...
Vez por outra, ele fazia isso: sentava no meio de uma praça ou mercado e falava de Literatura com os moleques, muitos não entendiam nada, porém alguns até escreviam seus primeiros poemas, eles escreverem para ele já era o ápice. E dizia que só fazia isso pra distrair. Sentia-se feliz assim, distribuindo um pouco de paixão pros outros. Felicidade. Às vezes se perguntava em que beco da adolescência ainda não tinha descoberto isso, que pra ser feliz só basta uma coisa: fazer o que gosta.
Amigos? Muitos. Ficam maravilhados em vê-lo falar. Hoje em dia nem sombra daquele fantasma que via todos os dias na sua casa: Lento, silencioso, disforme pensativo, não se apercebeu que perdia tanto tempo. Pensando. Ver seus filhos brincando sob suas pernas (agitadas) era ver a contemplação da alegria personificada em anjos. E se cambaleasse um pensamento negativo, poderia olhar pro lado e ver sua esposa lá, parceira, amável. Irmã. Mas algo ainda o agoniava.
Não sabe bem porque, mas se viu caminhando pela praia. Era o único esforço físico que fazia vez por outra. Vendo um quebra-mar: sentava, pensava. E parece que seu projeto estava cada vez mais longe. Olhar cansado pro mar, sempre olhando pra frente (ou pra cima) nunca pra trás. Olhou pra trás, e o crepúsculo atitudinal aconteceu. Viu um velho/moço contemplando-o. Não conseguiu mais pensar em mais nada. Era ele. Eu?
Por que perdi tanto tempo? Não quero que aconteça isso com os outros. Tenho que falar com ele. Comigo?
Não sabe bem porque se viu caminhando pela praia. Sempre fazia isso pelas manhãs. Porém à tarde, nunca. Vendo um quebra-mar: nem parava. Parou. E percebia que realizou seu projeto. Olhar sereno pro mar. Sempre olhava pra frente... Então, o crepúsculo reflexivo aconteceu, viu um moço/velho contemplando-o. Não conseguiu dizer mais nada era eu. Ele?

Hangner Correia
15/09/2009.