quarta-feira, 1 de julho de 2009

Crítica social em “A Relíquia” de Eça de Queirós.

Dizem os filósofos modernos que para um homem ter a felicidade plena é preciso ele conciliar harmonicamente três itens: o sexo, o dinheiro e ter uma religião, ou seja, esse homem não poderá nem se exceder demais com o amor se não influencia no dinheiro, não pode se exceder demais com a religião se não poderá influenciar no amor, e assim por diante. Mas quando essa harmonia se quebra, ou então se desvincula para um dos itens citados, o que o homem faz? Ou então esse homem usa um desses fatores para conseguir o outro? Esse desencontro entre esses temas tem sido muito explorado pela Literatura. Dentro dessa vertente cultural existe uma escola estética que dedurava e dissecava as fraquezas humanas de forma mais evidente, que foi o Realismo.
O escritor português, Eça de Queirós, é incontestavelmente um desses dissecadores da sociedade em que vivia, no século XIX. Em meados de 1887, segundo os historiadores da obra queirosiana, foi lançado o livro “A Relíquia”, cronologicamente marcado na segunda fase da obra do autor, na qual, foram publicadas as obras consideradas mais críticas e que tinham se encaixado perfeitamente nas estéticas realistas:” O crime do padre Amaro”,” O primo Basílio” e o aclamado” Os Maias”.
O projeto literário de Eça, fortemente influenciado por Balzac, visava “alfinetar” cada setor da sociedade portuguesa em cada livro que o autor escrevesse, desse modo, em “Os Maias, a família burguesa de Lisboa é fortemente criticada por Eça de Queirós, mostrando os seus vícios, suas fraquezas, suas comodidades de viver só por um nome. Em o “Primo Basílio” a traição e o amor são pano de fundo para a crítica sagaz de Eça. Já no “Crime do padre Amaro” a religião é esse pano de fundo.
A pessoa que lê “A Relíquia” responde a pergunta que fizemos anteriormente, o que acontece com o homem que o usa o fator religião para tentar conseguir o fator dinheiro? No livro, Eça de Queirós faz uma crítica a fé cristã através de uma personagem picaresco, o Teodorico Raposo, que faz uma viagem à Jerusalém e ao retornar pensa que traz consigo “ relíquias” para manipular a fé de sua tia, a Titi, e com isso herdar todo o dinheiro da velha. Durante todo o livro a tia pensa que o sobrinho está mesmo devoto, mas quando abre a relíquia, que para ele seria os espinhos postos em Jesus na hora da crucificação, na realidade era uma roupa de dormir de uma de suas amantes do Oriente Médio. E com isso o canastrão perde a herança.
A análise critica queirosiana gira em torno de três palavras: descrença, reflexão e atualidade.
Quando falo em descrença é que o autor português critica a ingenuidade que o personagem principal, O Raposo, lida com o amor, que a primeira leitura ( e olhando com olhos atuais) pode parecer paradoxal, como um homem tão entregue e experiente na profanidade pode ser tão ingênuo que as mulheres que se aventuravam em seu leito, seriam o eterno amor de sua vida. Esse ponto é uma das principais características realistas e que Eça soube dominar bem na Relíquia, a volta da humanização da mulher, que diferente da escola literária que antecedeu o realismo, analisava a mulher como quase divina e inalcançável. Ainda sobre o ponto de vista da descrença, a crítica de Eça é descrente com a própria forma de ter fé do povo português (e, por conseguinte o mundo ocidental) que pensa que através de símbolos e imagens irão chegar perto do sagrado. “A Relíquia gira em torno desses símbolos, a coroa de espinhos, a água do Rio Jordão, os pregos que crucificaram Jesus, entre outros. Portanto, com bons olhos críticos Eça de Queirós é descrente tanto com o amor quanto o modo de ter fé do povo português.
Falo em reflexão porque por intermédio de caracteres históricos, filosóficos e científicos, o autor analisa a condição de se acreditar nas duas principais formas de conhecimento: a ciência e a religião, que embora possam parecer tão distantes Eça de Queirós em “A Relíquia” deixa parecer tão iguais, ou seja, profundamente falaciosas.
A reflexão critica sobre a ciência fica evidente no pesquisador alemão, o Topsius, que às vezes pode parecer doutoral, mas ao mesmo tempo engana, incentivando o Teodorico a enganar a tia. Além de dar informações erradas sobre personagens e divinizando outros que não tiveram papel relevante na história cristã. E através do sonho de Teodorico que a critica reflexiva de Eça cai em cima do cristianismo, em duas partes em especial, no julgamento de Jesus, no qual, o autor português analisa que foi um acontecimento mais político do que religioso, e quando Raposo conversa com patriarcas judeus. Nessa passagem Eça compara o modo como o judaísmo enxerga o Jesus de Nazaré, e a forma como os cristãos o divinizam, para esses ele é o filho de Deus e para os outros ele é apenas mais um dos profetas que se espalhavam na Jerusalém daquela época.
Falo atualidade porque mesmo o autor falando da sociedade do século XIX, o enredo parece estar falando de nós. Quem nunca encontrou essas “relíquias” nas igrejas, nas ruas, no comércio informal, nas lojas de discos, enfim me parece que o picaresco Teodorico Raposo permanece flutuando por entre os modernos, enfiados em gravatas e carros de luxo, circulando pelas cidades, comercializando a fé de Titis de vários sotaques espalhados pelo mundo. Entretanto, para afirmar esse último comentário temos que redefinir o conceito de picaresco, porque o autêntico picaresco sempre se dá mal no final da história, e os atuais Teodoricos nem sempre, ou quase nunca, seguem essa risca.