quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Verbal

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ESCREVO...
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Hangner Correia

domingo, 15 de novembro de 2009

O ANTI-HEROÍSMO BRASILEIRO NOS “CONTOS NEGREIROS” DE MARCELINO FREIRE.

É incontestável que por ter como matéria-prima a linguagem, a Literatura pode ser considerada uma arte que engloba todos os ramos científicos, desde a Filosofia às conversas de botequim, da Grécia de Homero à Cidade de Deus de Paulo Lins, os escritores descarregam parágrafos, nos quais, na maioria das vezes se encontram um tipo de reflexão científica. Mas também é senso comum de que, dentre esses ramos científicos, o que mais anda de mãos dadas, porém, olhando para lados opostos com a Literatura é a História.
Uma das premissas que podem confirmar essa nossa afirmação é a de que o escritor, vez por outra, poderá lançar seu olhar crítico paro o passado ou para o futuro, mas sempre condicionado aos seus pés, e também olhos, fincados no presente.
O pensamento histórico tem contribuído para desmistificar, desmascarar e até mesmo transformar alguns elementos estéticos de um texto literário. O que antes era visto como uma forma popular de Literatura, em outra época, poderia ser considerada a mais alta expressão literária, cultuada pelas academias e pela classe dominante de uma sociedade. Dentre esses elementos estéticos que mudaram no decorrer da História está a figura do herói.
O herói surgiu como estética na Literatura, ligada a certo período histórico, primeiramente na Grécia, com Homero. Tanto na Ilíada, quanto na Odisséia, a figura heróica surgiu como efeito moralizante nas obras desse escritor. Porém, “esse efeito de “ensinar” condições morais aos cidadãos da pólis grega não foi por mera “inspiração” poética. A “democracia” grega necessitava guiar seus habitantes a uma visão integradora do social, então era preciso idealizar um ser social perfeito, desprovido de defeitos, e se os tivesse seriam pelo menos aceitáveis socialmente. E a Literatura contribuiu, primeiramente pela modalidade oral, para que esse efeito se concretizasse perfeitamente.
Para os gregos o herói é uma figura estereotipada que engloba em sua personalidade as características necessárias para a resolução de um problema de dimensões épicas. Além disso, os heróis eram vistos como semideuses, e ficariam na hierarquia mitológica grega em uma situação intermediária aos Deuses originais. Daí todo aquele efeito moralizante já mencionado nas obras de Homero.
. Essa ideologia de herói grego ficou arraigado no imaginário e na moralidade popular durante muito tempo. Os feitos heróicos de coragem e de superação inspiraram modelos e exemplos em diversos povos, através de situações de guerra ou de competição construindo, desse modo, novas figuras arquetípicas. Foi o caso de Joana d’Arc na França, que dominada pela Inglaterra se exigia naquela época um fato ou feito extraordinário para retomar um sentimento de liberdade perdido por aquele país.
Com o passar do tempo as condições extraliterárias, como as guerras mundiais, a ascensão do capitalismo e da burguesia, as revoluções,o enfraquecimento do positivismo,entre outras, facilitaram para que os ecritores percebessem que a figura do herói não mais serviria como ideal para a condição humana nas sociedades futuras.
James Joyce, escritor irlandês, pelo menos assumidamente, foi um dos primeiros escritores do século XX que arrancou a flecha do pé do calcanhar de Aquiles e cravou-lhe de vez no coração de Ulysses, apagando assim de vez o esteriótipo idealizado pelos gregos. Então, surge uma figura estética que entra em confronto com aquelas características heróicas gregas.
Com elementos que giram em torno da malandragem, personalidade que cria uma empatia com o leitor, e sempre com a ideia de atingir seus objetivos, seja por que meio for, surge o anti-heroísmo na Literatura. O anti-herói protagoniza atitudes referentes ás do heroi clássico, mas esse tipo não possui vocação heróica e realiza as façanhas por motivos egoístas, de vaidade ou de quaisquer gêneros que não sejam altruístas. Diferente do heroi, o anti-heroi não possui apenas uma característica peculiar. Além dos que buscam sastifazer seus próprios interesses, há também os que sofrem desapontamentos em suas vidas, mas que persistem até alcançar o ato heróico. Outra peculiaridade do anti-heroi também fica marcada por aqueles que não tem o condicionamento físico e/ou intelectual o suficiente para conseguir o ato heróico, mas não percebe tal fato ou se preocupa com isso, caracterizando uma espécie de pretensão absoluta.
As “Femme Fatales” que seduzem suas vítimas para alcançar seus objetivos, os justiceiros que usam a violência para fazer justiça, os mercenários que trabalham apenas por dinheiro são exemplos de anti-heroís e estão espalhados pela Literatura do século XX.
O anti-heroísmo não surgiu apenas para entra em conflito com a estética heróica grega, além de representar um período histórico determinado,as características anti-heróicas, segundo Manuel da Costa Pinto
A partir do século XIX, os ferozes e impetuosos heróis literários encontram nos anti-heróis seus principais opositores. Esses personagens mostram o caráter profundamente imoral ou amoral, nocivo e dogmático do herói. A crescente problematização da realidade humana indica que os heróis são cada vez mais suscetíveis às falhas e derrotas. Nesse ponto, entra o questionamento dos personagens anti-heróis: revelar a virilidade e a imoralidade dos heróis. (Pinto, 2004, p.34)
Com uma reflexão sobre a identidade e até certo ponto da idoneidade da figura heróica, a cultura contemporânea inicia uma modificação semântica da personagem anti-heróica: não servir apenas de oposição ao herói, e sim, mostrar suas fraquezas, e perceber que até figuras estereotipadas como os eles são suscetíveis a falhas, e a partir dessas afirmações deduzir que a intenção heróica está mais próximas de nós do que imaginávamos. Enfim, a personagem anti-heróica veio, na Literatura, nos mostrar que qualquer pessoa seja com a cultura ou identidade que for pode alcançar uma personalidade heróica, ou seja, hoje a Literatura contemporânea torna personagens aparentemente comuns em verdadeiros heróis.
No Brasil, como não deu tempo de construir heróis, essa característica anti-heróica de transformar pessoas comuns em estereótipos de heróis se tornou mais comum a partir da década de 1990. Escritores como Raimundo Carreiro, Paulo Lins, e cineastas como Fernando Meirelles e Lírio Ferreira transformaram nossas “mazelas” sociais em elementos estéticos anti-heróicos. Embora na virada do século esse olhar ainda continue, o que nos chama mais atenção atualmente é o olhar “transverso” que os escritores da contemporaneidade disparam para a sociedade brasileira. No que seria uma crítica social elementar, isto é, a parte oprimida é sempre relatada como sofrida, desfavorecida de bens, negligenciada por uma classe dominante que não se cansa de ter poder, os escritores atuais, descarregam uma crítica social em que o oprimido também é criticado, não da mesma forma que o opressor, e sim, com uma espécie de conformismo pela situação em que se encontra. E o escritor brasileiro está usando essa estética na maioria das produções literárias da contemporaneidade. As personagens contemporâneas são carregadas de um conformismo brasileiro, um anti-heroísmo brasileiro.
Um desses escritores contemporâneos que faz essa “crítica às avessas” à sociedade brasileira é Marcelino Freire. Segundo ele mesmo o livro “Contos Negreiros” é baseado em escritores como Castro Alves e Cruz e Sousa cuja crítica social em relação aos negros é evidente. Em contrapartida, Freire usa a linguagem das ruas como a linguagem swingada de Manuel Bandeira, só que com alguns bytes a mais.
Crítico social sem ser dedo-duro, o escritor pernambucano nos mostra que para ser herói não precisa ser forte, não precisa ser branco, não precisa ser, e sim é preciso ter, não importa o que seja, mas para vencer na vida o homem necessariamente tem que possuir o exótico, não na acepção da palavra hoje, mas na essência dela, ou seja, o que está por fora do olho, o que está por fora do outro, como acontece com o rapaz do conto “Esquece” que queria ter um rolex de ouro e um carro importado mesmo conseguindo isso por atos ilícitos, mas na visão dele, ou deles, atos moralmente aceitáveis por estar tirando de quem têm, portanto, as personagens de “Os contos Negreiros” não são anti-heróis clássicos, mas acima de tudo anti-heróis brasileiros.
Outra característica anti-heróica do livro é que as personagens, mesmo tendo nome, podem ser qualquer um de nós, com fraquezas, vícios, virtudes, amores, etc. Isso fica evidente quando Marcelino nomeia os seus contos de cantos. O campo semântico da palavra pode ser analisado de duas formas: como o livro é uma crítica social ao racismo e a pobreza, o escritor dá vozes aos protestos das personagens, que geralmente, permanecem caladas na superfície da sociedade, e a segunda possibilidade é que canto pode representar qualquer lugar, qualquer pessoa, qualquer canto, indiferente de classe social, aquilo que se canta no conto está diante de nossos olhos, mesmo que por baixo exista um véu de indiferença ou de fingimento.
Mesmo o próprio autor afirmando que é um livro sobre racismo, ele dá a voz para outros anti-heróis brasileiros falarem nos cantos, como os homossexuais, os pobres, e os índios. Uma visão importante e inovadora é que Marcelino analisa o olhar estrangeiro sobre as mulheres do Brasil, como é no caso dos cantos “Alemães vão à guerra”, no caso a guerra são os quadris das negras brasileiras, e no canto “Yamami”, no qual o narrador é um estrangeiro que para outros pontos turísticos do Brasil não tinha olhares de turista, mas para indiazinha que o guiava pela Amazônia com a ajuda do seu ventre, o estrangeiro era só elogio.
Dentre algumas características anti-heróicas brasileiras presentes em “Contos Negreiros” estão o conformismo com a situação em que a personagem se encontra e o embranquecimento do negro. Além de outros contos essas características anti-heróicas estão presentes em especial em três contos: “Totonha”, “Solar dos príncipes” e “Meu negro de estimação”.
Em “Totonha” o conformismo anti-heróico aparece quando a personagem principal, uma senhora sem nenhuma escolaridade, bate de frente com uma professora que insiste em lhe apresentar a importância da educação, e com uma simplicidade conformada rebate o desejo da mulher, que insistia em fazê-la ler e escrever. E com uma dose de Determinismo esse desejo de não querer se livrar da pobreza e da ignorância fica evidente logo no início do conto.
“Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso. Deixa pra gente que é moço. Gente com vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. (Freire, 2005.p.79)
Já em “Solar dos Príncipes” e “Meu negro de estimação” o que predomina é o embranquecimento do negro. No primeiro, cineastas da favela próxima ao prédio, munidos de câmeras, microfones e outros equipamentos de filmagem, tentam fazer um documentário sobre a vida da classe média. Entretanto, o que poderia ser fácil, pois o porteiro é um negro, se torna uma confusão devido ao equívoco do porteiro em pensar que os negros cineastas da favela iriam roubar o patrimônio dos brancos.
O que se pode deduzir nesse conto é uma dialética entre “iguais”, mas que por estar num status diferente dos meninos, o porteiro se julga superior aos cineastas. E o racismo se torna às avessas, um preconceito de negro com negro, além de permanecer estereótipos já disseminados na cultura brasileira, tais como: o negro é ladrão, anda armado, favelado é traficante e etc. Como por exemplo: “... Filmando? Ladrão é assim quando quer seqüestrar. Acompanha o dia-dia, costumes, a que horas a vítima sai pra trabalhar... e em outro trecho: “... Viemos gravar um longa-metragem. Metra o quê? Metralhadora, cano longo, granada, os negros armados até os dentes...
“Esse embranquecimento também aparece em “Meu negro de estimação” um homossexual “resgata” um negro da favela e o torna uma pessoa especial , morador de um bairro nobre da cidade de São Paulo.” O conto se traduz também uma espécie de coisificação do ser humano, pois o homem tem o outro como coisa, como objeto.
Enfim, Marcelino Freire em “Contos Negreiros” nos mostra que temos que perder o medo em pensar pelo avesso, diferente do convencional, porém o livro também nos deixa uma mensagem muito clara de que nossa indiferença com nós mesmo ainda continua, e parece que por bastante tempo ainda.