sexta-feira, 5 de junho de 2009

O véu

Gosto de vir aqui. Sinto-me bem em sentir e ver as coisas assim pelo outro lado, por causa das misturas das cores, sabe? E de sua Geometria. Não que eu tenha pouca coisa para fazer, pelo contrário. A cada mudança de olhar percebo que o tom opaco e dissimulado dessas luzes que brilham meio apagadas está assim por minha culpa, não sei se por displicência minha ou se é vingança, por elas nunca saberem me administrar perfeitamente. Tolas. Ou sou eu?
Desde a última vez que levantei o véu para ver essas famigeradas luzes, estou sentado nesse banco, refletindo. Pelo menos no nosso lado, isso se chamava banco sei lá. Espera um pouco. Isso é banco? Pergunto a uma luz negra que sorria amarelamente para mim, e se movimentando em semicírculos. É senhor, é sim um banco. Acho que ela te reconheceu. Justo, quando elas me conhecem ficam assim surpresas. E isso é uma das coisas que não consigo entender. Eles nos vêem perfeitamente, mas a imagem que temos delas não é tão uniforme não é? Há séculos que isso não mudava. De certo essas infames estão se apagando com mais facilidade, e é evidente o motivo. Também concordo. Vês... lá vem elas! Elas quem? As que estou observando desde que você chegou aqui. Hum... estranhas não? As mais estranhas e interessantes que vi chegar. Ah! Mas não reclames, pois quando tu chegaste aqui tu eras semelhante a elas, opaco, confuso, atordoado, mais constrangido do que tudo no mundo. Só há alguns minutos que levantaste o véu e já queres se sentir diferente tu tens muito que aprender ainda não tu conheces nada aqui. Minutos? Para mim parece uma eternidade. Essa presunção dos recém-chegados é um pouco difícil de tirar mesmo. Sossega. Desculpa.
Vê lá... São três, belas... Contudo sua pequenez é tão imensa que não conseguem perceber que na verdade são uma só. Uma influi no brilho da outra, estão interligadas, por um fio condutor violento, porém prazeroso, místico, desafiador, e que falo por toda a experiência desses cabelos brancos, só perceberam a diferença depois que levantarem o véu. Sim... Agora eu percebo, estou vendo o fio condutor, é lindo mesmo. Me dá saudade lembrar que já tive um. Pois é. É impressionante mesmo, como é belo, um azul cintilante que transborda os limites da perfeição, entretanto, nessa alternância de luminosidade também vejo cenas disformes, lágrimas, e o desrespeito para com o senhor.
Veja a luz clara. A primeira vez que bati meus olhos nela gostei da sua empolgação, seu sorriso era azul, os olhos carregados de luminosidade e gana. Inocência. Ela não via nada à sua frente apenas a vontade de se tornar grande, conseguir que notem sua beleza e juventude. Tenho que confessar que é dessa que mais gosto. Esse período da luz é que nos faz continuar a viver, levantar o véu quantas vezes for possível, e com isso não se arrepender nunca sabendo que vai ver um sorriso desses sempre. Não só eu a admiro. Dentro dela mesma tem outra admiradora. Quem? Ora, não percebes? A luz quase apagada. Vê o olhar de admiração e nostalgia para a luz mais clara, não estás vendo? Essa nostalgia é porque ela já foi assim e sente saudade do tempo em que brilhava mais, mas agora é tarde. O desejo dela é voltar a ser a luz mais clara. Se pudesse nunca se deixaria cometer os mesmos erros de quando foi essa aqui. Essa qual? Nossa! Como você está displicente hoje não? Essa aqui, a luz que brilha.
A mais feia de todas, renega tanto a mais clara quanto a mais apagada. Presunção em forma de luz. Acha que seu grau de perfeição e maturidade chegou ao extremo. Ledo engano. Nessa fase é que acontecem as piores besteiras. Essa é que pode destruir a qualquer momento o fio condutor. Faz com que levantem o véu antes do tempo sabe?
Do mesmo jeito que você a admira, a luz mais clara também gosta muito do senhor dá para ver no seu semblante. E La me tem por completo, me usa como se eu fosse o único brinquedo que ela tem. E eu gosto disso. Me faz sentir linear e não cíclico entende? Sua sagacidade me fascina, embora saiba que ela vai me deixar, e não vai perceber isso. Todas são assim, inclusive você. Sério? Eu também lhe abandonei? Não tinha percebido. Repito: como todas. Quando ela mudou de clara para piscando sabe o que ela me disse? Não. Fale.
- Não vou me esforçar tanto. Pra quê? Eu tenho o senhor à hora que eu quiser. Quando elas começam a piscar o primeiro sentimento que aparece é o deboche. A luz apagada também concorda com o senhor. E com toda sua franqueza de luz forte me disse: Não ligue, ela vai perceber isso, quando acordar as lembranças que terá do senhor serão mínimas, e só se arrependerá quando levantar o véu.
Posso dar um palpite? Claro. Fale. Ligue o fio condutor de volta? O senhor pode fazer isso? Claro que sim, mas ela vai cometer os mesmos erros de sempre e eu já estou cansado disso. Mas dê uma chance. É que ela aprenderá alguma coisa diferente. Tá bom, vê só como é bonito elas se separando e ligando o fio condutor...

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